Depois do câncer de pele, o de próstata é o segundo tumor mais frequente entre homens brasileiros
Homem cis de 50 anos, Messias jamais fizera consulta com urologista. Exame de próstata seria coisa de “maricas”, orgulhava-se ele em afirmar, até que as dificuldades de micção aumentaram sem razão aparente. Procurou-me com timidez mais que habitual e segredou que precisava de uma consulta urgente.
Depois do câncer de pele, o de próstata é o segundo tumor mais frequente entre os homens brasileiros. Em que pese seja uma doença comum, o medo ou o desconhecimento leva muitos homens a não conversar sobre tal assunto.
O câncer de próstata causa em média 14 mil óbitos por ano no Brasil, figurando como a segunda causa de morte por câncer entre brasileiros do sexo masculino. São tão elevados os custos com o tratamento da doença e o prejuízo para a qualidade de vida dos pacientes, que as redes de saúde estão sempre mais empenhadas em campanhas de esclarecimento e prevenção, voltadas principalmente para incentivar o diagnóstico precoce.
Como Messias já se dispunha, de cara, a fazer o exame de próstata, em pleno novembro azul, listei para ele os contatos que me pareciam mais simples e céleres: unidades de saúde nas três esferas – municipal, estadual e federal. Os dedos em riste escandalizaram-no tanto quanto a mim. Nas três diferentes unidades os dedos de recepcionistas, com o mal humor habitual, balançavam de um lado a outro, indicando que ali não: - Não fazemos exame de próstata! Reafirmaram, repetidamente, os profissionais de branco em cada uma das unidades procuradas. Em todas elas os cartazes estampavam fortes apelos: “Todos juntos na luta contra o câncer de próstata”, “Cuidar de si também é coisa de homem”, “Diagnóstico precoce exige exames periódicos. Cuide-se”, “Um toque pela prevenção”, “Vergonha é não se cuidar”.
Pela quantidade e qualidade do material publicizado, fácil concluir que são milhões de recursos investidos nas campanhas de prevenção do câncer de próstata e estímulo aos exames de prevenção. Difícil entender o porquê de em pleno mês da campanha, seja tão inacessível o exame gratuito. Ademais a ignorância do pessoal na recepção de unidades públicas de saúde que sequer sabe bem informar ao humilhado cidadão que venceu seus medos e preconceitos e está em busca de onde realizar o bendito exame, tão estimulado por campanhas milionárias veiculadas em todos os meios de comunicação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), existem duas diferentes estratégias para o diagnóstico: uma destinada às pessoas que apresentam sinais iniciais da doença (diagnóstico precoce) – como o caso de Messias - e outra voltada para pessoas sem nenhum sintoma e aparentemente saudáveis (rastreamento): “Se descoberto nos estágios iniciais, o câncer de próstata tem um índice de cura em torno de 90%. Mas se for diagnosticado tardiamente, esse índice de sobrevivência do paciente cai para menos de 10%. Por isso a importância da prevenção.”
Messias entendeu muito bem o conteúdo dos belos cartazes e campanhas, mas ainda está à cata de local, em Salvador, para realização gratuita do exame que poderá salvar a sua vida, antes que o “Novembro Azul” seja pretérito.
*Padre Alfredo Dórea é arcebispo da Igreja Anglicana Tradicional do Brasil. Graduado em filosofia e teologia. Mestre pela Universidade Gregoriana de Roma. Atua no diálogo inter-religioso, combate às violências, discriminações e preconceitos, defesa dos direitos humanos e das pessoas mais vulneráveis e empobrecidas, sobretudo as que vivem com o HIV/AIDS.